5.5.13

Altar numinoso

É domingo e eu tenho
As teclas de um piano velho
O abraço comprado de uma criança
O eco de um conselho inútil
E a dúvida insuportável



Eu não tenho nada.


_Lykke Li - "Sadness is a blessing"

21.11.12

Irrelevâncias e outras lembranças

"Se der beijinho, sara", minha mãe repetia a cada novo e freqüente arranhão de minha infância desastrada. Pernas e cotovelos arrebentados, o sangue se condensando, aquele cheiro, ardidinho de merthiolate e antes de tudo, um beijinho. Ela dizia, sim, que o beijinho sarava, mas nunca deu. E nem ninguém. Me restava o malabarismo fácil a um corpinho de seis anos, debruçada sobre meu próprio joelho levava os lábios até a ferida recente, sentia o gosto de ferrugem e torcia pra simpatia dar certo, vai sarar, vai sarar. 
A examinar rigorosamente o machucado melhor a cada dia, tomava consciência da espécie de mágica aparente em forma de casquinha, arrancada minutos depois, sempre. Tudo isso pra exercer ciclicamente o poder que achava ter, de curar em mim toda a dor, sem precisar de quem quer que fosse. 
E foi o tempo que me roubou essa independência da qual sinto tanta saudade, mas me vejo, vez ou outra, contando as cicatrizes que colecionei e rio sozinha, pensativa. Fico farta de esperar que o remédio venha de onde ou de quem nem ao menos sei onde procurar. 
Não fosse a falta da fé infantil daqueles anos, iria hoje mesmo sair lambendo minhas tantas feridas em carne viva, expostas, latentes. E quem sabe acordaria amanhã outra, senão livre dos machucados, ao menos cheia de novas casquinhas pra arrancar, para doer tudo outra vez. 
Recordar é viver. Pena é cicatrizar. 
Vai sarar, vai sarar. 

_Wilco - "How to fight loneliness"

28.9.11

Whatever makes you happy, whatever you want



- Mas quem você pensa que é?

- Eu sou incompatível com a primeira impressão, sempre. Geralmente vou ao cinema mais pela sensação do que pelo filme. Gosto de brincar de perguntas e respostas. Sou fera no Scrabble. Tenho pés muito feios e inquietos. Minha imaginação nunca me deixa em paz. Pareço mente aberta mas estou mais pra conservadora. Choro ouvindo música. Tenho o dom de perder oportunidades. Também tenho o dom de procurá-las. Me interesso por quase tudo. Não sou sonsa, sou gentil. Não me considero bonita, mas sou um ser humano interessante. Acho bom conhecer gente pela internet pois assim gostam ou desgostam de mim mais pelo penso do que pelo tamanho do meu jeans. É verdade, eu leio muito. E queria mesmo é estudar astronomia. Fui materialista. Por ora, curto minha frustração. Faço muita coisa por impulso. Acredito em arrependimento e na paz mundial. Não sei cozinhar. Ao contrário do resto das pessoas, não digo nada com meus olhos. E falo muito ou pouco. Sou exagerada. Adoro frio na barriga, me dá coragem. Detesto injustiça e abacate. Prefiro os dias cinzas. Tenho sim celulite e futilidade. E camiseta do corinthians. É o suficiente?

"What the hell am I doing here?
I don't belong here"

_Wagner Moura - Creep ( Radiohead Cover)

P.S.: Amigos, desculpem! Acabei deletando todos os comentários sem querer =/

30.6.10

It's damned if you don't, It's damned if you do

Essa calma que não é minha e peguei emprestada com Deus, generoso até com quem não merece. Não mereço.
Venho de um dia de pequenas desgraças que não me feriram além da superfície, um costume com a desventura . Subservente como quem aguarda a próxima queda, já não cubro mais o rosto e nem protejo o que quer que seja em mim.
É preciso um pouco de cuidado, é preciso ter zelo e é preciso ter fé, mas eu não tenho.
Quando morreu o primeiro sonho eu chorei oito noites, velei por ele até adormecer a dor. Quando foi embora o segundo, a garganta engasgada aguentou firme uma madrugada. No terceiro, cumpri o protocolo e nada além. Senti o que pude, tive paciência com o destino até onde deu, até que parei de acreditar.
Agora eu vivo a esperar a próxima desilusão pousar inteira sobre o meu quintal. E não demora, vão por mim. Fico de malas feitas grandes pra caber todo o meu choro, ou não. Se até a esperança seca, uma lágrima então...

...Metal heart, you're not worth a thing.

_Cat Power - "Metal Heart"

9.3.10

Canela em pó


Porque ao perceber os maus agouros derramados à beira de mim nada sei fazer além de fechar o casulo. Uns bons discos e uns bons livros, esta solidão das obrigações abandonadas é só o que vai comigo, sem espaço para o remorso, a nova mazela do homem bom.
Gosto de brincar com as possibilidades como quem joga um dado colorido pra cima. Um, dois. três. Seis. A indecisão é azul.
Sabe que agora notei, estou clariceando e gosto tanto disso! Deixo livres dos filtros os dedos para escreverem as minhas indelicadezas, mas com doçura. Sei sim, sou doce. Quase enjoativa. Embora amargo dentro de mim eu tenha, e é por isso, é por isso que o casulo se fecha.
Fiquem olhando o lado de fora com atenção, é menos bonito do que parece. Podem esperar que eu saio sim. Dessa vez com menos urgência de respostas, porque entendo mais. E entender é devagar, divagar.

_Céu - "Ponteiro"

6.11.09

Cedotardar

"Tenho no peito tanto medo, É cedo.
Minha mocidade arde, É tarde.
Se tens bom-senso ou juízo, Eu piso.
Se a sensatez você prefere, Me fere.
Vem aplacar esta loucura,Ou cura... "

Acontece que tudo funciona mesmo muito rápido por aqui.

Não meço o tempo justamente porque aos acontecimentos instantâneos é que devoto a minha energia e, mesmo dependente desta lógica absurda a que somos todos submetidos, faço o que posso para me gastar mais observando uma nuvem se desmanchando do que compondo filas de bancos. Por essas e outras é que não te asseguro que estarei parada amanhã nesta mesma hora e lugar, que ainda amanhã permanecerei sentada nessa mesa com o palpite de que já já te verei chegando. Não. Saiba que há muito tomei saber das coisas que posso perder por ser assim, tão paciente. A espera é um luxo ao qual não posso me render.

Deixo avisado também que nenhuma dor é definitiva, aprendi com a sucessão de desesperos. Um dia a gente acorda e ainda está ali, mas cicatrizado. E vivo. Mas acontece que tudo funciona mesmo muito rápido por aqui. Muito, muito rápido.

_Thais Gulin/Tom Zé - "Cedotardar"

4.11.09

Sobre um sábado de abril e outras memórias



"Me queira bem. Estou te querendo muito bem neste
minuto. Tinha vontade que você estivesse aqui e eu pudesse te mostrar muitas
coisas, grandes, pequenas, e sem nenhuma importância, algumas. Fique feliz,
fique bem feliz, fique bem claro, queira ser feliz. Mesmo que a gente se perca, não
importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que
seja bom o que vier, para você, para mim."
(Caio Fernando Abreu)
É que ontem foi sábado, um igualzinho aquele outro perdido lá por abril. Tarde de sol e inquietude, um passeio por aí, sozinha. Prendi os cabelos pensativa e cautelosa, prestando atenção no que me acontecia pelos lados do coração. Saí carregando uma esperança enorme agarrada nos dedos, dessas capazes de mudar todas as peças de lugar. Andei e andei e andei, não sei dizer por quanto tempo ou por quais lugares, me ocupei tanto em lembrar cada detalhe teu, cada detalhe nosso, estampas ainda frescas na minha memória que agora arde. Te encontrar no parque, em qualquer um deles. Webcam ligada pra ver teu cabelo bagunçado. Visita inesperada. Passeio de carro para qualquer ou nenhum lugar. Música. Quando a sexta-feira chegava. Abraço de tchau no domingo. Briga boba. Beijo urgente. Risadas, muitas. Esperar a tua ligação de noite. Uma saudade provisória e alegrias definitivas.
Quando voltava pra casa, naquele sábado de abril, enquanto atravessava a rua eu te reconheci. E soube, com alguma estranheza, que era tarde para impedir aquele rosto pouco familiar mas já querido de ser parte de mim.
Ontem, depois de arranhar minhas recentes lembranças para que caíssem vivas aos meus pés, a passos lentos fiz o mesmo caminho daquela tarde, torcendo por um milagre: você na minha porta, pra começar tudo de novo.
A esquina vazia me doeu mais do que tudo o que você me disse, me desengasgou as lágrimas e as conclusões. De repente entendi que a minha espera, a partir de então, seria mais triste, mais longa, mais tardia. Seria a espera pelo esquecimento, pela cura, se quiser chamar assim. A espera pelo coração silenciado.

_Yiruma - "River Flows in you "