"Se der beijinho, sara", minha mãe repetia a cada novo e freqüente arranhão de minha infância desastrada. Pernas e cotovelos arrebentados, o sangue se condensando, aquele cheiro, ardidinho de merthiolate e antes de tudo, um beijinho. Ela dizia, sim, que o beijinho sarava, mas nunca deu. E nem ninguém. Me restava o malabarismo fácil a um corpinho de seis anos, debruçada sobre meu próprio joelho levava os lábios até a ferida recente, sentia o gosto de ferrugem e torcia pra simpatia dar certo, vai sarar, vai sarar.
A examinar rigorosamente o machucado melhor a cada dia, tomava consciência da espécie de mágica aparente em forma de casquinha, arrancada minutos depois, sempre. Tudo isso pra exercer ciclicamente o poder que achava ter, de curar em mim toda a dor, sem precisar de quem quer que fosse.
E foi o tempo que me roubou essa independência da qual sinto tanta saudade, mas me vejo, vez ou outra, contando as cicatrizes que colecionei e rio sozinha, pensativa. Fico farta de esperar que o remédio venha de onde ou de quem nem ao menos sei onde procurar.
Não fosse a falta da fé infantil daqueles anos, iria hoje mesmo sair lambendo minhas tantas feridas em carne viva, expostas, latentes. E quem sabe acordaria amanhã outra, senão livre dos machucados, ao menos cheia de novas casquinhas pra arrancar, para doer tudo outra vez.
Recordar é viver. Pena é cicatrizar.
Vai sarar, vai sarar.
_Wilco - "How to fight loneliness"
21.11.12
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