26.8.09

I dance because I'm free.



Era seu momento preferido.

As cortinas ainda fechadas, o burburinho da platéia ainda oculta, luzes apagadas ou quase. Respirava de um modo diferente, mais pesado talvez, como a pressentir as emoções que só antecipadas é que se distinguiam.
Verificava cada junta, os tecidos todos sendo percebidos, acionados, esticados...Em breve seriam uma coisa só.
Este nervosismo de quinze segundos valhia-lhe a existência, justificava o sacrifício do tempo, os pés em carne viva. Ela dançava pelo antes e, ali, centralizando um palco ainda inerte, entendia todos os seus porquês e mais do que isso, os amava.
A última olhadela para a coxia entulhada de gente, fantasias, cenário trazia a gostosa conclusão: era de verdade, era real.
Quem souber algum dia explicar o arrebatamento transeunte de cortinas se abrindo descobriu por si só o mistério maior da vida. Como a recuperar-se da eletricidade da surpresa, junto da música ela dançava, fazia os seus barulhos. Ia pra lá e pra cá sabendo-se assistida, mas dançar é inconsciente, como é insconsciente sorrir.
A lembrança que perdura é mesmo a sensação e só. Na memória o aplauso é já nostalgia, é amargo porque avisa: acabou.
Nunca vi mais feliz a bailarina do que ao desenrolar dos dedos os esparadrapos ensanguentados, maquiagem já opaca, ofegante. É para isso que vive, é para isso que veio ao mundo: ver ecoar no teatro vazio a sua valsa, ver rodopiar dentro de si o sonho recente, fresco, realizado.


_Lauryn Hill & Tanya Blount - "His eye on the sparrow"

13.8.09

Da chuva que teima...

"Há uma estrada de pedra que passa na fazenda
É teu destino, é tua senda, onde nascem tuas canções..."

Lá pelas duas e pouco tenho essas de pensar-me. Entendem?
Analiso o sorriso que mantenho vigoroso e tento mensurar sua sinceridade ou disfarce. É assim mesmo. Esticada ao sol, sentada ao 4ºou 5º degrau da mesma escada, todos os dias, percorro-me em vistoria do que até então me tornei. As surpresas que me aparecem são alegrias que anunciam que posso reinventar. Desconstruo-me e faço aleluias de pedaços meus, pra cima, pra cima, são as minhas cores caindo devagar, serenas. Sou eu espalhada pelo chão, assim é mais fácil entender.
Em 15 minutos já estou resgatada e cheia de conclusões que de nada me servem senão como lembrança do que há pouco fui. Levantando para viver o resto do mesmo dia, já ali sou outra e mesmo ali mudei. Para quê a tentativa de compreensão se estou sempre por um triz?


_Paula Fernandes & Almir Sater - "Jeito de Mato"