Era seu momento preferido.
As cortinas ainda fechadas, o burburinho da platéia ainda oculta, luzes apagadas ou quase. Respirava de um modo diferente, mais pesado talvez, como a pressentir as emoções que só antecipadas é que se distinguiam.
Verificava cada junta, os tecidos todos sendo percebidos, acionados, esticados...Em breve seriam uma coisa só.
Este nervosismo de quinze segundos valhia-lhe a existência, justificava o sacrifício do tempo, os pés em carne viva. Ela dançava pelo antes e, ali, centralizando um palco ainda inerte, entendia todos os seus porquês e mais do que isso, os amava.
A última olhadela para a coxia entulhada de gente, fantasias, cenário trazia a gostosa conclusão: era de verdade, era real.
Quem souber algum dia explicar o arrebatamento transeunte de cortinas se abrindo descobriu por si só o mistério maior da vida. Como a recuperar-se da eletricidade da surpresa, junto da música ela dançava, fazia os seus barulhos. Ia pra lá e pra cá sabendo-se assistida, mas dançar é inconsciente, como é insconsciente sorrir.
A lembrança que perdura é mesmo a sensação e só. Na memória o aplauso é já nostalgia, é amargo porque avisa: acabou.
Nunca vi mais feliz a bailarina do que ao desenrolar dos dedos os esparadrapos ensanguentados, maquiagem já opaca, ofegante. É para isso que vive, é para isso que veio ao mundo: ver ecoar no teatro vazio a sua valsa, ver rodopiar dentro de si o sonho recente, fresco, realizado.
_Lauryn Hill & Tanya Blount - "His eye on the sparrow"
Nenhum comentário:
Postar um comentário